Quando o final de uma estação do ano se encerra e inicia uma nova, para a grande maioria dos pecuaristas também começa um momento de grande incerteza, principalmente no outono para as propriedades da região Sul do país e final das águas no Brasil Central. Alguns anos chove demais ou vem uma seca sem precedentes, outros esfria mais cedo, correndo risco de geadas ainda em abril (isso mais do Paraná para baixo). Já no centro do país, a gente nunca sabe se a chuva vai parar em abril, maio ou com muita ajuda em junho. Sempre bate aquelas dúvidas: será que devo investir nesta época? O que realmente vale a pena? Qual categoria trato melhor e quem eu “arrocho o cinto”? Suplementação ou confinamento, para quem fornecer e por quanto tempo? Perguntas que realmente não são simples de responder. Sentimos muito em informar: não existe caminho fácil, fórmula mágica ou receita pronta. Mas, vamos procurar explicar nos parágrafos abaixo uma lógica de raciocínio, que acreditamos que vai te ajudar a responder boa parte destes questionamentos, independente do seu negócio ser corte, leite ou ovinos.
É preciso ter sempre um plano A, B, C e até D
Diferente de outras culturas de “tiro curto”, como a soja ou milho que o ciclo de crescimento se dá dentro de praticamente uma mesma estação do ano (ciclo que normalmente dura em torno de 120 dias), a pecuária tem um ciclo de produção bem mais longo, que na maioria dos modelos de negócio de gado de corte, por exemplo, ultrapassa os 12 meses. Isso é inerente ao negócio e, com todos os intemperes climáticos que temos ao longo do ano, aí vai aquela frase clichê: nenhum ano é igual ao outro e é preciso ter um bom planejamento, com planos A, B, C e até D (se preciso), para passar ileso e procurar manter uma boa margem de lucro ao vender o seu produto. Seja ele bezerro, garrote, boi gordo, vaca gorda, leite, lã e entre outros.
Para lucrar mais, não pode faltar pasto no planejamento
Quando falamos em rentabilidade, uma coisa que obrigatoriamente temos que ter no nosso planejamento é uma boa distribuição forrageira. Falamos de plantas para pastejo, de preferência de folhas verdes, ao longo de todo o ano na propriedade. Sabemos que isso é mais a realidade de quem está no sul do Brasil e na região do Cerrado isso é praticamente impossível de conseguir. Nesse caso, precisamos de uma boa oferta de massa de forragem ao longo da estação das secas, ou seja, que a base alimentar seja pasto. Alimentação vinda do pastejo tem uma força econômica muito grande que atua nos sistemas de produção de ruminantes. Um dos maiores custos de produção está na alimentação dos animais (algo em torno de 60%) e não existe nada mais barato do que pasto como a principal fonte alimentar. Além disso, os herbívoros são naturais de ambientes pastoris, fazem isso com maestria, resta a nós usarmos com inteligência esta vantagem competitiva.
Figura 1. Exemplo de distribuição forrageira ao longo do ano no Brasil tropical em um sistema de integração lavoura-pecuária.
Ter um modelo de negócio definido é questão de sobrevivência
Uma outra coisa muito importante é definir bem o seu modelo de negócio. Saiba exatamente o que a sua fazenda produz, qual o seu principal produto a ser vendido, se é bezerro, garrote, vacas prenhes, boi gordo e por aí vai. Logicamente que uma fazenda produtora de bezerros, também comercializa vacas de descarte, porém o negócio principal é a produção de bezerros. Repare que existe uma gama de diferentes modelos de negócios pecuários (isso que só citamos dos principais). E para que um bom planejamento tenha sucesso na sua execução, o modelo de negócio tem que estar bem definido. Dever ser um sistema de ciclo completo (vender boi gordo), primeiro pelo simples fato de que se o preço do bezerro está bom, a tomada de decisão em vender os bezerros na desmama, ao invés de vender boi gordo no ano seguinte, impacta positivamente o caixa em um primeiro momento. Porém, resulta em uma perda de eficiência geral, pois de cara podemos dizer que mais vacas poderiam ser expostas à reprodução. Segundo é que se o sistema está bem ajustado e preparado para engorda, certamente os animais ficando na propriedade iriam gerar mais resultado do que a entrada momentânea de dinheiro daquela venda.
Todo o negócio passa por turbulências, anos bons e ruins, o importante é dar os passos firmes e certos no modelo de negócio escolhido e não “pular de galho em galho”. Se você tem dúvidas sobre o seu sistema de produção, faça um exercício, procure ajuda e defina isso o quanto antes, esta decisão é fundamental para colher bons resultados. Para esta definição, uma dica que sempre damos: sistemas mais “rústicos”, com potencial limitado para intensificação, áreas mais arenosas (como o arenito Caiuá no Paraná), alagadas (como o Pantanal), sujeitas à secas no verão (como o Pampa Gaúcho) ou áreas muito declivosas (como o Oeste de Santa Catarina), estas áreas são muito mais propícias para se trabalhar com vacas de cria ou ciclo completo. Óbvio que se pode trabalhar com outros sistemas, como a recria e terminação, mas são muito mais desafiadores e exigem mais profissionalismo. Áreas que são menos sensíveis a estresse climático, solos férteis e que tem possibilidade de produzir comida de qualidade em abundância, são mais interessantes sistemas de recria e terminação nesses casos.
Comida em quantidade e qualidade, para quem?
Depois de dito disso, chegou a hora de quantificarmos e qualificarmos a demanda de alimento. Saber com boa precisão quantos animais, qual a sua categoria (ex: vaca com cria ao pé, primípara, bezerro desmamado) e qual será o peso dos mesmos ao longo do ano na propriedade. Isso é importante saber, pois conseguimos definir qual será a demanda alimentar do rebanho ao longo do ano, em quantidade e qualidade. Em regra geral os animais consomem proporcionalmente ao seu peso vivo, um bovino por exemplo consome em média 2,2% do peso em matéria seca (alimento retirando a quantidade de água).
Isso quer dizer que uma novilha de 300kg consome aproximadamente 6,6kg de matéria seca por dia. Quanto mais pesado o animal, mas ele consome, por isso importante saber o seu peso médio ao longo das estações. Porém, esta demanda de consumo varia ao longo do ano e da categoria. Uma vaca com cria ao pé tem que consumir não só para se manter, mas também para produzir leite e sobrar nutrientes para a reprodução, assim, nesta fase é bem comum o seu consumo ultrapassar os 3% do seu peso vivo. Já quando ela desmama o bezerro, a demanda por nutrientes cai (não precisa mais produzir leite) e o seu consumo volta para próximo de 2%.
Outra coisa importante é dar comida de qualidade para categorias exigentes, animais em crescimento como bezerros, novilhas e primíparas. Essas são sempre as categorias mais exigentes, além de se manter elas precisam de nutrientes para crescimento. Por isso, além de quantidade essas categorias precisam de qualidade, cada kg de matéria seca ingerida tem que ser denso em nutrientes para atender suas demandas e isso só se consegue consumindo folhas verdes e, se preciso for, utilizar suplementação estratégica.
A hora de fechar as contas
Chegando até aqui, é hora de confrontar com a disponibilidade de alimento da propriedade e se ela atende as demandas do rebanho em quantidade e qualidade, ao longo do ano. Nesta fase é importante ter o que chamamos de “visão de drone”, que é imaginar estar olhando a propriedade como se estivesse fazendo um sobrevoo nas deferentes estações do ano. Caso ainda não tenha, faça o mapa da sua propriedade e quantifique a carga animal que cada área suporta e se as áreas de pastagens com qualidade atendem as categorias mais exigentes na época que eles mais precisam. Caso não atenda, a adubação de algumas ou todas as áreas podem suprir essas demandas. Se ainda sim não for possível, podemos usar mão da suplementação, mas este já pode ser um indicativo de que talvez a sua propriedade tenha animais demais, esteja superlotada e o potencial de retorno do negócio já esteja comprometido.
Por fim, depois de quantificarmos a demanda forrageira e encaixarmos na produção de alimento durante todo o ano, chegou a hora de colocar números financeiros nisso tudo. Não adianta nada fazer o mais belo projeto técnico do mundo e colocar em prática algo que vai dar prejuízo (ninguém é louco de fazer isso, correto?). Precisamos saber a previsão de faturamento com a venda dos animais e quanto é a previsão de despesas, levando em conta principalmente os desembolsos com adubação, suplementação, sanidade, mineralização, reprodução e etc.
Outros custos também não podem ficar de fora, como mão de obra, manutenção de infraestrutura (cercas, galpões), compromissos financeiros (parcelas de custeio, investimentos em máquinas e animais). Atenção! Não esqueça de colocar uma margem de erro, como “despesas não previstas” e evitar surpresas nada agradáveis na execução. Aí sim, podemos avaliar o resultado da operação e a taxa de retorno sobre o investimento. Projetos com margem de retorno acima de 15 a 20%, estão bem maduros para serem colocados em prática. Caso não alcance esses valores, sem planejamento precisa de ajustes.
Bora fazer diferente!
Se você chegou até aqui, já percebeu que os modelos de negócio pecuários não são nada simples, e é isso mesmo. Para se ter um sistema pecuário eficiente e que entregue resultado é preciso muito planejamento e muita organização na capacidade de execução para colocar tudo isso em prática, coisa muito rara de se ver nesse Brasil a fora. Esse é um dos grandes motivos do porque a propriedades que vemos por aí trabalham abaixo sua capacidade, não entregam os resultados que são capazes de entregar e grande parte deles não paga as contas, por outro lado, existe muita coisa a ser feito, potencializado. Modelos de negócios pecuários tem grande capacidade de gerar resultados com resiliência econômica. Planejando seus sistemas seguindo as lógicas acima, aplicando uma gestão mais profissional, manejando bem os pastos, certo que você vai estar muito mais preparado para passar com tranquilidade pelas dificuldades que irão aparecer, seja pelas mudanças de estação ou o sobe e desce do mercado do boi.
VEJA TAMBÉM: O vídeo completo sobre o tema “Nova estação chegando e o gado? Vai pra onde?”, com os especialistas no assunto, os consultores técnicos da SIA: Armindo Barth Neto e Paulo Cardozo Vieira.
Aqui: https://bit.ly/SIAnoYoutube
Texto: Armindo Barth Neto
Consultor e Coordenador de Negócios e Relacionamento – SIA
Imagens: Banco de imagens SIA